Os perigos do Projeto de Lei que equipara aborto a homicídio
26/07/2024 • 5 min de leitura

Os perigos humanitários sobre o Projeto de Lei que equipara aborto a homicídio

“Criança não é Mãe”: entenda por que este movimento surgiu nas redes sociais e como ele ajudou a combater a votação às pressas do Projeto de Lei 1904/24 sobre o aborto.

Você se deparou com um movimento nas redes sociais intitulado “Criança não é mãe”.? Esse movimento ganhou o apoio de diversas figuras públicas e organizações de proteção aos direitos das mulheres. Essa mobilização foi criada para trazer à tona um projeto de lei que, até então, estava sendo votado sem que quase ninguém da sociedade soubesse. O Projeto de Lei 1904/24, apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-PJ) junto a um grupo de 22 outros deputados, majoritariamente homens, propõe equiparar o aborto acima da 22ª semana de gestação ao crime de homicídio.

Isso foi visto por boa parte da sociedade como um ataque direto aos direitos das mulheres. Esse projeto prevê pena de seis a vinte anos de prisão em regime fechado para vítimas de estupro que realizarem o aborto após o prazo estipulado. Agora veja só: é a mesma pena prevista para casos de homicídio simples. Hoje, o Código Penal prevê pena de um a três anos em regime semiaberto ou aberto para mulheres que cometerem aborto, com exceção exclusiva em casos de risco à vida da gestante, fetos declarados anencefálicos e casos de estupro.

O que mais chocou neste projeto de lei é que ele não leva em consideração os inúmeros fatores que muitas vezes impedem mulheres e crianças de procurarem ajuda judicial para o aborto legal antes das 22 semanas. Ao tratá-las como criminosas, vítimas passam a ser declaradas culpadas ou obrigadas a seguir com uma gestação resultante de violência sexual. Muitas dessas vítimas, por medo, vergonha, ameaça ou até mesmo por falta de conhecimento, especialmente no caso de estupro de vulnerável, acabam percebendo a gravidez após o prazo de 20 semanas. Neste novo formato de lei, elas seriam obrigadas a seguir com a gravidez; caso contrário, seriam submetidas a até 20 anos de prisão, mesmo sendo vítimas de uma das mais cruéis formas de violência.

A ideologia patriarcal desse Projeto de Lei fica ainda mais evidente ao constatar que nenhum dos deputados defensores desta mudança de lei demonstrou o mesmo esforço para criar um debate sobre a necessidade do aumento da pena para os estupradores, que hoje chega a somente 10 anos de prisão, como uma forma de tentar coibir este tipo de crime, protegendo assim mulheres e crianças e consequentemente reduzindo os casos de gravidez causada por violência sexual. Que triste isso…

Para as vítimas de estupro, a possibilidade de interromper uma gravidez é uma questão de saúde pública e seu debate deve ser amplo e sem nenhum tipo de ideologia religiosa ou étnica, uma vez que fazemos parte de um Estado laico. O que deve estar em questão é a proteção da vítima, uma vez que forçá-la a levar adiante uma gestação resultante de um estupro é submetê-la a uma segunda violação, perpetuando seu sofrimento e trauma e colocando muitas vezes sua vida em risco.

Precisamos falar sobre estupro e entender a questão sobre o aborto no Brasil

Aborto

A melhor forma de entender a gravidade dos casos de estupro no Brasil é tirando o assunto do enorme silêncio a respeito e abrindo espaço para o debate em nossa sociedade. Manter o tema sem visibilidade é uma estratégia eficaz usada pelo sistema patriarcal para naturalizar a violência. Mulheres negligenciadas e silenciadas são mais vulneráveis à violência, e isso é refletido nos números.

Em 2023, foram registrados 83.988 casos de estupro no Brasil, um aumento de 91,5% em apenas 13 anos. Para compreendermos melhor esse número, isso significa que um estupro é cometido a cada seis minutos. Sim…seis minutos! A crueldade é ainda maior quando constatamos que as maiores vítimas são crianças com menos de 14 anos. O estupro de vulnerável representa 76% dos casos, e a grande maioria dessas vítimas é violentada dentro de suas casas, por um pai, um parente ou um vizinho, transformando o lugar que deveria oferecer proteção e cuidado em sua maior ameaça.

Como em quase todos os casos de violência, a situação é ainda mais grave para mulheres e crianças negras. As principais vítimas do crime de estupro são meninas negras com menos de 13 anos. Isso evidencia ainda mais os impactos da desigualdade social e racial no país, destacando a urgência de uma reestruturação dos direitos das mulheres como forma de alcançar a igualdade racial em todos os segmentos, especialmente no acesso à segurança e à saúde.

É fundamental debatermos este assunto de forma ampla em nossa sociedade, para promover um olhar humanizado para as vítimas e reconhecer o direito ao aborto legal em casos de violência sexual como uma questão de saúde pública.

Afinal, o acesso ao aborto é uma das poucas formas de amparar mulheres e crianças vítimas de um dos crimes mais brutais em nossa sociedade. Em nenhuma situação as vítimas devem ser coagidas a silenciar sua dor sob ameaças de criminalização, especialmente em um momento em que deveriam ser acolhidas.

E aí, o que você acha sobre tudo isso? Vamos continuar discutindo e apoiando movimentos que defendem nossos direitos!

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