Confira um relato emocionante de uma mãe judia que reencontrou sua filha resgatada após ataques do Hamas em Israel e os tristes dados das mães enlutadas pela guerra.
Diante da escalada dos conflitos ao redor do mundo, inúmeras mães carregam o peso insuportável da dor ao enfrentar a brutal realidade da guerra. Para dar voz ao sofrimento dessas mães, apresentamos o relato verídico de Sandra Berenstein Tudisco, uma mãe judia que vivenciou o desespero de ver sua filha em perigo durante os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023.
“A festa Nova esteve no radar da minha filha. Não por acaso, a turma optou por curtir a festa de final de semana no Kibutz dos amigos no Sul de Israel, a vinte quilômetros de onde tudo aconteceu. Com uma pequena mochila de mão, viajaram até a festa para voltar no dia seguinte. Minha filha acordou no dia 7 de outubro em situação de guerra. As estradas estavam bloqueadas devido à quantidade de jovens terroristas escondidos e armados que circulavam na região.
O primeiro pensamento catastrófico que me ocorreu foi o de que minha filha poderia ter sido vítima do terror na festa Nova. Em seguida, a angústia com a situação de risco e a violência iminente. Ela ainda corria perigo. Recebi o primeiro vídeo da minha filha dizendo estar protegida com mesas e cadeiras escorando as portas e janelas do local onde estava dormindo. No dia seguinte, recebo uma notícia de que terroristas haviam entrado no Kibutz ao lado. No terceiro, um áudio da minha filha contando que duas amigas dela ficaram presas em uma loja de conveniência, porque terroristas estavam próximos. E assim aumentava, dia após dia, o número de terroristas soltos anunciado. Diante da falta de proteção na qual se encontravam, não existia possibilidade alguma de fechar os olhos no Brasil para dormir. Sincronicidade, empatia, amor e proteção: entrei em guerra junto à minha filha.
Dentro da angústia, surgiu o poder da maternidade. Me encontrei com uma mãe leoa, loba, fêmea feroz que, mesmo dilacerada diante da barbárie, conseguiu lucidez para promover esperança de um bom desfecho. Me senti acompanhada das minhas avós refugiadas de guerra. Aprendi que ser mãe também é criar possibilidades para lidar com o caos. Organizei um grupo no zoom com outras famílias brasileiras que estavam vivenciando as mesmas dores. Iniciamos com encontros diários. Pudemos compartilhar, pensar e criar estratégias conjuntas. Aos poucos aprendemos a lidar com a velocidade das mudanças em situação de guerra e que os planos traçados pela manhã, eram logo refeitos no período da tarde e novamente ajustados nas madrugadas.
Ainda me emociono com a cena dessa saída. Dormiram em Tel Aviv por uma noite. Foram acolhidos por uma mãe que tirou férias para passear com o filho em Israel. Fez-se um trauma ainda não superado e, disso tudo, resta ainda um tanto a ser elaborado. A minha filha escapou de uma tragédia, mas a tragédia não nos escapou. Aprendemos que angústia não tem fronteiras, ela caminha junto com a gente e atravessa continentes.
Carrego ainda hoje uma coleção de histórias tristes. Perdas irreparáveis ainda difíceis de serem compartilhadas: a perda de amigos, familiares em situação de insegurança e risco, crianças ainda torturadas nos túneis, obrigadas a assistirem os vídeos dos pais sendo decapitados. A coragem das jovens que denunciaram os constantes abusos sexuais nos túneis. As condições insalubres e as constantes violações de direitos da população palestina. Sou a terceira geração de refugiados, as sequelas do antissemitismo ainda me assombram. Pertencimento.
Somos uma sociedade que se cala diante de estupros de jovens israelenses. Por outro lado, como não se revoltar com a situação de risco e abandono social em Gaza? Como comemorar o Dia das Mães com tantas crianças palestinas órfãs? A nossa responsabilidade em transmitir valores para que se tornem gente. Que nesse Dia das Mães possamos pensar no nosso papel enquanto inspiração para transformar o que está dentro de casa. Essa é a primeira grande luta social. Se queremos um mundo melhor, com mais equidade e justiça social e com menos desigualdades, precisamos ajudar as nossas crias a se tornarem melhores pessoas. Como diz, (Freire, 1979), a “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.”
O sofrimento das mães enlutadas pela guerra
Uma data que deveria ser de celebração e reconhecimento, para muitas mães, é um lembrete doloroso da perda, do sofrimento e da luta diária pela sobrevivência. Para essas mulheres, o Dia das Mães é um período carregado de tristeza e dor, lembrando-as do colo vazio que nunca mais será preenchido pela vida tirada de seus filhos. No lugar de comemorações e afeto, elas enfrentam a realidade do luto. Para elas, as flores e os presentes não passam de símbolos vazios em meio ao caos e à devastação que se instalaram em suas vidas.
A brutalidade imposta pela guerra a essas mães é simplesmente desumana. Para se ter uma ideia, segundo dados da ONG Save the Children, na Ucrânia, desde o início do conflito com a Rússia, cerca de 520 crianças foram mortas. Durante o ataque terrorista em Israel no dia 7 de outubro cerca de 1200 foram assassinadas dentre elas crianças e jovens e mais de 200 pessoas ainda estão no poder dos terroristas. O cenário é ainda mais alarmante para as mães palestinas. Segundo pesquisa da UNICEF, aproximadamente 14 mil crianças foram mortas nos ataques de Israel na Faixa de Gaza e cerca de 19 mil crianças ficaram órfãs. Em países com menos visibilidade, como os do continente africano, que enfrentam há décadas a dura realidade de conflitos internos, os dados são ainda mais cruéis.
Além do luto pela perda de seus próprios filhos, muitas dessas mães em áreas de conflito também são forçadas a testemunhar o sofrimento de outras famílias, a dor das crianças órfãs e a destruição de suas comunidades. Elas carregam, em silêncio, o peso não apenas de suas próprias tragédias, mas também o peso do sofrimento de todo o seu povo e as incertezas que a guerra traz para suas vidas e para o futuro de seus filhos, muitas vezes desnutridos, mutilados e traumatizados.
Neste Dia das Mães, enquanto homenageamos todas as mães, devemos nos lembrar também que lutar pelo cessar-fogo de todos os conflitos ao redor do mundo ultrapassa qualquer ideologia política ou religiosa. É uma luta pelo fim do sofrimento dessas mães e de toda uma comunidade que enfrenta, sem merecer, a dura realidade da guerra. Devemos nos comprometer a trabalhar incansavelmente pela paz, para que um dia todas as mães possam celebrar esta data sem o peso cruel do luto e o silenciamento de suas vulnerabilidades.