*Imagem oficial do cartaz do filme Medida Provisória
No Dia Nacional das Artes, indicamos um filme do cinema nacional que, apesar de ser uma ficção de um futuro distópico, aborda assuntos bem reais e atuais da nossa sociedade.
O filme Medida Provisória foi dirigido pelo ator, autor, apresentador e diretor Lázaro Ramos e conta com um elenco incrível como Thaís Araújo, Seu Jorge, Alfred Enoch, Renata Sorrah, Adriane Esteves, Emicida e muitos outros. Com uma narrativa que beira o surreal aborda os problemas sociais relacionados a questões raciais de forma inteligente provocando o público a reflexões importantes sobre a realidade do racismo na sociedade.
O longa que é adaptação do texto teatral “Namíbia Não!” conta a história do Brasil em um futuro não muito distante, onde a vida dos “melaninas acentuados ou melaninados” – como passam a ser chamados os negros e afrodescentes – é bruscamente afetada após o Congresso Nacional aprovar uma medida provisória que visa reparar a população que sofreu com o passado escravocrata do país, e através de uma lei obriga toda a população afrodescendente a retornar a África para viver as suas origens.
As reflexões que o filme provoca sobre a nossa atual realidade
O filme, de uma maneira geral, é uma verdadeira obra de arte, com fotografia, atuação, trilha sonora e direção ímpar que prende a atenção com sua narrativa visceral e emocionante do começo ao fim. Mas durante toda a trama são abordados assuntos que precisam ser analisados com uma consciência social mais aprofundada.
A princípio o filme aborda a intenção do governo brasileiro em reparar socialmente toda a população negra que direta ou indiretamente foi afetada pelo período de escravidão, mas desistem de uma indenização monetária e como alternativa, votam no Congresso (votação que lembra em muito a que ocorreu no impeachment de 2016), uma medida que visa providenciar a viagem de retorno de todas as pessoas de origem africana de volta ao continente.
Claro que o projeto não possui nenhuma estrutura de reparação que contemple, de fato, beneficiar a população negra, mas sim, de se livrar do “suposto problema” que seria para o governo ter que lidar com as indenizações. Por ter um Congresso pouco representativo, apesar da luta de poucos deputados contra a medida, ela é aprovada e passa a vigorar.
O que no início era uma lei apenas para quem desejasse ir para a África com passagem só de ida, passa a ser uma viagem obrigatória que instaura uma guerra civil, já que toda a população negra é obrigada a deixar sua vida, trabalho, casa e família para sair a força do país. Essa ação, se mostra na real como uma limpeza étnica que consiste em deixar apenas pessoas brancas vivendo no Brasil, mantendo a sociedade com a aparência desejada pelos racistas.
Toda essa situação caótica traz a reflexão sobre a fragilidade de se viver em uma sociedade preconceituosa e racista, que além de tudo, tem em cargos de poder, pessoas que não representam a necessidades da população mais afetada com esses problemas sociais como negros, mulheres e a população LGBTQIA+, onde as leis quase nunca são aprovadas para atender os direitos dessa parcela da população.
A história do filme revela o perigo que a sociedade enfrenta quando as leis do país são aprovadas por políticos corruptos e pouco representativos, que visam apenas o benefício próprio e a busca por poder. Além disso, traz de forma sutil, porém muito incômoda, a desvalorização do profissional negro em diversas áreas como medicina, direito, comunicação, mostrando como são frequentemente desrespeitados, silenciados e coagidos em suas funções. Além de revelar também o perigo e o desrespeito presentes em falas racistas do cotidiano, muitas vezes normalizadas como forma de expressão, mas que no fundo são as mais verdadeiras expressões de ódio e intolerância racial.